Escrito por Fausto Azevedo | 14 Maio 2010
Uma Questão de Biologia, Química Ambiental, Ecotoxicologia e Ética
Em nosso orgulho antropocêntrico nos sentimos imensamente distanciados de um mero lagartinho. E não é para menos. Afinal, descobrimos e exploramos o petróleo, eles não; criamos bolsas de valores, eles não (embora, e é inevitável o trocadilho de mau gosto, eles entrem em nossa fabricação de muitas bolsas); inventamos guerras fratricidas, eles não; e fomos à Lua, eles não!
Bem, há outra maneira de examinar o assunto. Nessa diferente óptica, estamos muito mais próximos a eles do que imagina nossa vã filosofia… Afinal também, ainda carregamos em nosso inimitável crânio, por sob o fantástico e exclusivo córtex cerebral humano, uma estrutura comumente repartida com eles e, precisamente por isso muito bem chamada de cérebro reptílico. Ela faz parte da evolução, como nós próprios.
Segundo James M. Ridgway Jr., no artigo O cérebro reptiliano (http://www.umanovaera.com/reptilianos/o_cerebro_reptiliano.htm),“ Todos os assuntos sociais, bons ou ruins, são no fim dependentes do cérebro réptil do homem. O assim chamado Complexo-R é a região mais velha e mais primitiva de nossa massa cinzenta. É o centro de agressão/sobrevivência de nossa existência. As emoções básicas que nos governam como amor, ódio, medo, luxúria, e satisfação emanam deste primeiro estágio do cérebro. Por milhões de anos de evolução, camadas de raciocínio mais sofisticado foram sendo adicionadas a esta fundação – nossa capacidade intelectual para pensamento racional complexo que nos fez teoricamente mais inteligentes do que o resto do reino animal. Quando nós estamos descontrolados de raiva, significa que nosso cérebro réptil está anulando os componentes racionais do nosso cérebro. Se alguém diz que agiu com o coração em vez da cabeça o que ele realmente quer dizer é que concedeu o controle às suas emoções primitivas (que têm origem no cérebro réptil), ao invés dos cálculos da parte racional do cérebro.”
Vendo assim, a longa evolução natural com seleção de espécies não teria dado em nós se não fosse, também, seu demorado estágio na era reptílica. Nesse sentido somos pois um acumulado de conquistas e, portanto, fortes elos evolutivos e históricos nos unem a esses nossos antepassados.
No entanto, estamos insensatamente colaborando para o desaparecimento desse degrau da grande escada da evolução.
Em matéria publicada ontem, 13 de maio, pela prestigiosa revista Science (http://www.sciencemag.org/) e intitulada Climate Change Causing Lizards to “Wink Out of Existence” (http://news.sciencemag.org/sciencenow/2010/05/climate-change-causing-lizards-t.html), Michael Price nos informa a respeito de trabalho desenvolvido por cientistas de vários países, inclusive o Brasil, e publicado na Science de hoje, 14 de maio, chamado Erosion of Lizard Diversity by Climate Change and Altered Thermal Niches (http://www.sciencemag.org/cgi/content/abstract/328/5980/894), que tem por primeiro autor o pesquisador Barry Sinervo, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, Califórnia.
Nele, aprendemos que o lagarto está em extinção (questão biológica) por causa do aquecimento global, com 5% das populações desses répteis já desaparecidos, taxa que, em 2080, poderá alcançar os 40%. Cerca de 20% das espécies desaparecerão até lá caso as emissões de gases do efeito estufa (GEE, questão de química ambiental) sigam no ritmo atual.
No Brasil, com a participação do professor Carlos Frederico Rocha, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o estudo concentrou-se no lagartinho-branco-da-praia, espécie que só existe nas restingas fluminenses. Das 24 populações do Liolaemus lutzae, nome científico, sete desapareceram nas últimas duas décadas. Diz o professor brasileiro, conforme notícia do jornal O Globo, de 14 de maio, de Renato Grandel, com título de Lagartos já estão em extinção no mundo todo devido ao aquecimento global (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2010/05/13/lagartos-ja-estao-em-extincao-no-mundo-todo-devido-ao-aquecimento-global-916575192.asp), “Imaginávamos inicialmente que esses desaparecimentos, aqui e no exterior, foram provocados por alterações no habitat dessas espécies, mas a maioria dos casos ocorreu em áreas protegidas. Comprovamos, agora, que essa diminuição radical das populações deve-se às alterações de temperatura.” (GEE, alterações climáticas, questão ecotoxicológica).
E agora a questão ética. O elegante astrônomo e pensador Carl Sagan, num de seus documentários, traça uma notável correlação entre a evolução do cérebro em milhões de anos, a evolução das cidades e a possibilidade de vida inteligente – e de como poderia ser – no universo alhures. A partir das lições desse notável cientista nova-iorquino podemos imaginar o seguinte fluxo progressivo: conhecimento acumulado nos genes para o conhecimento acumulado nas sinapses do cérebro humano para os bilhões de bits de informações acumulados nas bibliotecas para os trilhões de bits de informações acumulados na rede mundial de computadores. Ao primeiro desses níveis podemos associar uma consciência individual, ao segundo uma consciência coletiva, ao terceiro uma forma de consciência intelectual trans-coletiva e ao quarto, finalmente, a consciência planetária. Há uma explícita correlação entre isso e as camadas da evolução cerebral.
E daí? Daí que exercendo seu incomensurável potencial genético e neuronal, por meio da eletroquímica do pensamento e da razão crítica o ser humano chegou à “inteligência” de uma internet e da possibilidade inesgotável de depósito de conhecimento. Esse acervo permite o estabelecimento e a prática da consciência planetária e essa consciência, a ser cada vez mais burilada, depurada e introjetada na alma humana, nos responsabiliza pela visão integrada da natureza e de todos seus processos ecofisoló
gicos e ecodinâmicos. Com tal grau de conhecimento e de sistemas de registro, guarda e interconexão de informações, a espécie humana tornou-se a guardiã obrigatória do patrimônio natural do planeta. Evoluir sim, porque essa é sua maior conquista e sua carga genética, mas o polimento ao artefato genético dado pelo pensamento abstrato, pelas noções nobres de moral e ética, deve exigir e estipular uma evolução inteligente daqui para frente: não mais randômica, porém inteligente em sua essência. A conquista da inteligência racional é a mais significante da natureza até aqui e não pode ser desperdiçada.
Então, como seres inteligentes, prezados leitores, retornemos ao trabalho dos professores Barry Sinervo, Carlos Frederico Rocha e colegas, e, humildemente (a humildade certamente a mais inteligente de todas as sabedorias), aprendamos o que temos a aprender com os lagartinhos. Aquele que julgar que nada tem a aprender com esses nossos companheiros da nave Terra, por favor, leiam todo o texto novamente. E de novo. De novo!
Fausto Azevedo
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