A biotecnologia como instrumento de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, frente à pandemia do COVID-19

4 anos atrás

A Convenção sobre Diversidade Biológica (do Ministério do Meio Ambiente, ano 2000), em seu Artigo 2°, define que: “Biotecnologia significa qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica”.[1] Frente à esta definição, pode-se afirmar que a biotecnologia pode ser aplicada à diversas áreas, como por exemplo, alimentos, meio ambiente, e saúde.

No campo da saúde, a biotecnologia atua nas diversas áreas de conhecimento (microbiologia, bioquímica, genética etc.) a fim de buscar novas formas de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças.[10]

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença.[18] Atualmente, o mundo vivencia a pandemia da doença COVID-19 (Novo Coronavírus), que é causada pelo agente SARS-CoV-2, descoberto em 31 de Dezembro de 2019, após registros de casos em Wuhan, China.[5]

Quando se pensa no combate às pandemias (de um modo geral), o diagnóstico é de fundamental importância, uma vez que a agilidade e a precisão deverão caminhar juntas, a fim de garantir resultados concretos para melhor controle e dimensionamento da doença.

A biotecnologia é inserida na detecção de doenças a partir do momento que há o fornecimento da sensibilidade de novas ferramentas de diagnósticos e técnicas desenvolvidas (tais como: anticorpos monoclonais, tecnologia de biosensores, tecnologia do chip de DNA e tecnologia do anti-senso).[10]

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) define que os testes para COVID-19 são produtos para diagnóstico in vitro, que deverão seguir as regras dispostas na Resolução – RDC 36, de 26 de Agosto de 2015, que dispõe sobre a classificação de risco, os regimes de controle de cadastro e registro e os requisitos de rotulagem e instruções de uso de produtos para diagnóstico in vitro, inclusive seus instrumentos e dá outras providências.[13]

Atualmente, no Brasil, existem dois tipos de testes aprovados para o Novo Coronavírus. O teste Reverse Transcription – Polymerase Chain Reaction (RT-PCR), consiste em gerar uma Reação em Cadeia da Polimerase com Transcrição Reversa em tempo real, que verifica a presença o material genético (RNA) ou “partes” (antígenos) do vírus. Este teste é reconhecido como “padrão ouro” e possui função de diagnóstico.[16]

Além deste, existem também os testes rápidos, que são os imunocromatográficos, que podem identificar anticorpos, ou seja, uma resposta do organismo quando este teve contato com o vírus recentemente (IgM) ou previamente (IgG). Entretanto, diferente do teste RT-PCR, este não possui função de diagnóstico, uma vez que seu objetivo principal é o mapeamento da população “imunizada”, ou seja, das pessoas que já tiveram contato com o vírus ou foram expostas a este.[16]

A biotecnologia também é responsável por desenvolver técnicas biotecnológicas para encontrar o tratamento e a terapia para novas doenças.[10] No âmbito pandemia do COVID-19, a busca pelo tratamento ainda ocorre, uma vez que estudos ainda não foram capazes de identificar um tratamento efetivo para esta.

No momento, é possível salientar apenas cinco tratamentos diferentes que estão sendo testados ao redor do mundo. Entre eles, destaca-se a pesquisa realizada em seis hospitais de Hong Kong, com um coquetel antiviral, que consiste na administração dos medicamentos: Interferon Beta-1B, Lopinavir-Ritonavir (usado no tratamento de HIV), Ribavirina (usado no tratamento da Hepatite C). Neste caso, a eficácia do tratamento tem se mostrado promissora para casos leves e moderados de COVID-19.[3]

Uma pesquisa do Hospital Mount Sinai (Nova Iorque) demonstra que o uso de anticoagulantes de via oral, subcutânea ou intravenosa podem prevenir eventos mortais como ataques cardíacos, derrames e embolia pulmonar.[7] Além disso, os Estados Unidos ainda estão estudando se a associação da Hidroxicloroquina com Azitromicina, prescrita para formas graves de COVID-19, apresenta eficácia, bem como afirmado em algumas pesquisas anteriores.[14]

Para casos severos de COVID-19, o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, estuda tratamento com o antiviral Remdesivir, que demonstra eficácia em uma recuperação mais rápida do que o normalmente observado (média de redução de 4 dias de internação).[8]

Por fim, no Brasil, os hospitais: Sírio-Libanês, Albert Einstein e Hospital das Clínicas estão testando um tratamento experimental com plasma sanguíneo. Neste caso, o plasma de pessoas curadas é transferido para doentes (casos médios e severos de COVID-19). Por enquanto, os testes preliminares indicam resultados promissores.[15]

Para entender melhor tal tratamento, é necessário evidenciar que o plasma convalescente é a parte líquida do sangue coletada de pacientes que se recuperaram de uma infecção. Dessa forma, sua administração passiva é um meio que pode fornecer imunidade imediata a pessoas suscetíveis.[9]

No caso do COVID-19, trata-se de um produto que pode estar rapidamente acessível, à medida em que exista um número suficiente de pessoas que se recuperaram da doença e que possam doar o plasma contendo imunoglobulinas que reajam contra o vírus SARS-CoV-2.[9] Ou seja, basicamente, o tratamento da transferência de plasma sanguíneo convalescente consiste na transferência de anticorpos que ajudam no combate à COVID-19.

Contudo, apesar dos tratamentos promissores destacados neste texto, entende-se que a melhor maneira de combater as doenças não é o desenvolvimento de novas terapias, mas sim, a prevenção.[10] Portanto, o desenvolvimento de vacinas é de suma importância, uma vez que, quando efetiva contra os agentes patológicos, fornece saúde em forma de proteção e segurança à sociedade.

Tendo em vista que, atualmente, não existem vacinas, anticorpos monoclonais (mAbs) ou outros medicamentos específicos disponíveis com eficácia comprovada para o Sars-CoV-2,[9] o atual cenário mundial obriga diversos laboratórios a trabalharem em busca de vacinas para prevenir o contágio do COVID-19. Desta forma, é possível elucidar quatro vacinas que estão em estudo e desenvolvimento:

A Vacina ChAd0x1 nCoV-19 não replicante (ou AZD1222), está sendo desenvolvida no Instituto Jenner (Universidade de Oxford, Reino Unido). Sua previsão de lançamento não é concreta, mas, estima-se que esteja pronta em Setembro do corrente ano (2020).[17]

No dia 02 de Junho de 2020, a ANVISA publicou no Diário Oficial da União (D.O.U.) a autorização para realização de um estudo clínico no Brasil para testar a vacina em questão. O pedido de autorização foi feito pela empresa Astrazeneca do Brasil Ltda., que submeteu os dados e as informações sobre a vacina para avaliação da Agência. Trata-se de um estudo controlado randomizado de fase III para determinar a segurança, a eficácia e a imunogenicidade. É importante destacar que, neste caso, os estudos iniciais não clínicos em animais e os estudos clínicos de fase 1 em humanos para avaliar a segurança da vacina foram realizados na Inglaterra e os resultados demonstraram que o seu perfil de segurança foi aceitável.[2]

O vetor da Vacina ChAd0x1 consiste no adenovírus de um chimpanzé, que deverá provocar uma forte resposta imune contra o agente Sars-CoV-2 a partir de uma dose. A proteção se inicia após a vacinação, que irá produzir uma proteína que se ligará à superfície do agente Sars-CoV-2. Dessa maneira, o sistema imunológico estará preparado para identificar atacar o agente se este infectar o corpo.[11] Em outras palavras, a vacina usa um vetor viral baseado em uma versão enfraquecida do resfriado comum (adenovírus) contendo o material genético da proteína spike Sars-CoV-2, dessa maneira, o vetor de adenovírus recombinante (ChAdOx1) foi escolhido para gerar uma forte resposta imune a partir de uma dose única sem causar uma infecção contínua no indivíduo vacinado.[2]

Vale destacar que para realização de qualquer pesquisa clínica envolvendo seres humanos, é obrigatória a aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e/ou da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). A anuência de pesquisa clínica pela Anvisa constitui-se na etapa regulatória que se aplica somente às pesquisas clínicas que têm a finalidade de registro e pós-registro de medicamentos, por solicitações de empresa patrocinadoras ou seus representantes. O prazo para início do estudo clínico após a aprovação ética e regulatória é definido pelo patrocinador do estudo.[2]

A Vacina mRNA-1273, está sendo desenvolvida no laboratório Moderna Therapeutics (EUA), e seu princípio consiste em um pequeno seguimento do código genético do Sars-CoV-2. Com isso, a vacina age contra o agente, codificando-o para uma forma estabilizada de perfusão pela proteína Spike (S).[6] Estima-se que a sua previsão de lançamento está entre Novembro/Dezembro de 2020.[17]

A Vacina INO-4800, está sendo financiada pelo William Henry Gates III (Bill Gates), e desenvolvida pelo laboratório Inovio Pharmaceuticals (EUA). Consiste no princípio da criação de DNA do Sars-CoV-2 através de modificação genética. O INO-4800 possui como alvo principal a proteína Spike (S) do antígeno de superfície do agente Sars-CoV-2, que causa a doença COVID-19.

Neste caso, estudos demonstram que a vacinação gera anticorpos robustos de ligação e neutralização, bem como respostas de células T em camundongos e porquinhos-da-índia.[4] Estima-se que a previsão de lançamento está entre Novembro/Dezembro de 2020.[17]

Por fim, a Vacina BNT 162, está sendo desenvolvida em caráter emergencial pelos laboratórios Pfizer (Alemanha) e BioNTech (EUA). Seu princípio consiste nas modificações genéticas em RNA mensageiros, com a finalidade de impedir que o agente Sars-CoV-2 cause a doença COVID-19 em humanos.[12] Estima-se que a previsão de lançamento desta vacina será para Outubro/2020.[17]

Diante dos fatos supracitados, é possível entender que a biotecnologia é de essencial importância para a ciência da saúde, uma vez que oferece subsídios para o melhoramento da saúde humana (no diagnóstico, prevenção e tratamento). A aplicação dos instrumentos biotecnológicos deverá sempre ser estudada e atualizada, permitindo avanços, que são necessários para a evolução na descoberta de novos métodos de combate às pandemias (como, por exemplo, a COVID-19).

REFERÊNCIAS

[1] A Convenção Sobre Diversidade Biológica: Cópia do Decreto Legislativo no. 2, de 5 de junho de 1992. 1. ed. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2000. p. 7-30.

[2] ANVISA. Aprovado uso de testes rápidos em farmácias. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/noticias?p_p_id=101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU&p_p_col_id=column-2&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2&_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_groupId=219201&_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_urlTitle=aprovado-uso-de-testes-rapidos-em-farmacias&_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_struts_action=%2Fasset_publishe. Acesso em: 13 mai. 2020.

[3] HUNG, I. F. et al. Triple combination of interferon beta-1b, lopinavir–ritonavir, and ribavirin in the treatment of patients admitted to hospital with COVID-19: an open-label, randomised, phase 2 trial. The Lancet: online, Hong Kong, China, mai./2020. Disponível em: <[4] INOVIO’s COVID-19 DNA Vaccine INO-4800 Demonstrates Robust Neutralizing Antibody and T Cell Immune Responses in Preclinical Models. INOVIO, USA, mai./2020. Disponível em: <[5] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Sobre a doença (COVID-19). Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca. Acesso em: 21 mai. 2020.

[6] Moderna Announces Positive Interim Phase 1 Data for its mRNA Vaccine (mRNA-1273) Against Novel Coronavirus. Moderna, USA, mai./2020. Disponível em: <[7] MOUNT SINAI. Blood Thinners may Improve Survival among Hospitalized COVID-19 Patients. Disponível em: https://www.mountsinai.org/about/newsroom/2020/blood-thinners-may-improve-survival-among-hospitalized-covid19-patients-pr. Acesso em: 21 mai. 2020.

[8] NATIONAL INSTITUTES OF HEALTH. NIH clinical trial shows Remdesivir accelerates recovery from advanced COVID-19. Disponível em: https://www.nih.gov/news-events/news-releases/nih-clinical-trial-shows-remdesivir-accelerates-recovery-advanced-covid-19. Acesso em: 21 mai. 2020.

[9] TÉCNICA Nº 19/2020/SEI/GSTCO/DIRE1/ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA), Brasil, abr./2020. Disponível em: <[10] OLIVEIRA, V. K. S. D; COSTA, Lorena Faria; FONSECA, C. A. D. Principais Aplicações da Biotecnologia na Medicina. Revista Eletrônica de Farmácia, Brasil, v. 3, n. 2, p. 42-43, 2006. Disponível em: <[11] OXFORD VACCINE GROUP. COVID-19 vaccine development. Disponível em: https://www.ovg.ox.ac.uk/news/covid-19-vaccine-development. Acesso em: 21 mai. 2020.

[12] PRECISION VACCINATIONS. BNT162 SARS-CoV-2 Vaccine. Disponível em: https://www.precisionvaccinations.com/vaccines/bnt162-sars-cov-2-vaccine. Acesso em: 21 mai. 2020.

[13] RESOLUÇÃO: RDC Nº 36, DE 26 DE AGOSTO DE 2015. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, Brasil, n. 164, p. 43, ago./2015. Disponível em: <[14] ROSENBERG, E. S. et al. Association of Treatment With Hydroxychloroquine or Azithromycin With In-Hospital Mortality in Patients With COVID-19 in New York State. JAMA, New York, USA, mai./2020. Disponível em: <[15] SUMMIT SAÚDE BRASIL 2020. Hospitais de São Paulo testam novo tratamento para covid-19. Disponível em: https://summitsaude.estadao.com.br/hospitais-de-sao-paulo-testam-novo-tratamento-para-covid-19/. Acesso em: 21 mai. 2020.

[16] Testes para Covid-19: perguntas e respostas. 1. ed. Brasil: AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA), 2020.

[17] VIDEOS.BAND. Combate ao Coronavírus. Disponível em: https://videos.band.uol.com.br/aquinaband/16794131/veja-os-ltimos-avan-os-nas-vacinas-para-o-novo-coronav-rus.html. Acesso em: 21 mai. 2020.

[18] WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). What is a pandemic? Disponível em: https://www.who.int/csr/disease/swineflu/frequently_asked_questions/pandemic/en/. Acesso em: 21 mai. 2020.

Giulia Forni de Almeida
Assuntos Regulatórios

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