Praguicidas (agrotóxicos) – mais fatos a respeito

Praguicidas (agrotóxicos) – mais fatos a respeito

Escrito por Fausto Azevedo | 27 Julho 2010

Os praguicidas (que também aparecem designados, inadequadamente, por agrotóxicos, agroquímicos, defensivos agrícolas, pesticidas, etc.) representam um grande agrupamento de substâncias químicas que têm em comum a propriedade de produzirem a morte de agentes causadores do que é considerado praga no campo agropecuário. Esses agentes variam enormemente no que concerne à estrutura química, mecanismos de ação e toxicidade. Por isso, têm merecido

por parte da Toxicologia de estudo minucioso e permanente. Sua toxicidade pode se manifestar, nos mamíferos, em curto, médio ou longo prazo após e/ou durante a exposição. Devemos sempre nos recordar de que os praguicidas são desenvolvidos intencionalmente para que sejam tóxicos, é isso que se busca. Sua toxicidade pode ser classificada, por exemplo, a aguda (ou de curto prazo), que será baixa, moderada, grave ou letal, em decorrência das manifestações de sinais e sintomas. Por isso é tão importante que as autoridades de saúde e de meio ambiente do país controlem eficiente e eficazmente esses produtos, por meio de testes de avaliação de toxicidade, de registros e restrições quanto ao uso, de vigilância de uso e descarte de embalagens e resíduos. O uso dessas substâncias permanece uma polêmica acesa: de um lado argumentos relativos à produção de alimentos, fome no mundo, geração de trabalho e renda, tudo isso bradado pelos representantes de indústrias de síntese e/ou formuladoras e os grandes produtores rurais, e de outro lado os argumentos referentes à contaminação ambiental e humana, a biomagnificação nas cadeias alimentares, à causação de doenças, isso acenado por cientistas e ambientalistas. Por isso, não espanta, que o assunto esteja sempre tão presente na mídia, ainda que nem sempre tratado de forma correta e com informações apropriadas para a compreensão do grande público. E como a questão da poluição ambiental por esses produtos é ubíqua, a presença midiática também o é. Assim, vejam-se algumas recentes notícias.

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Relatório oficial confirma relação entre agrotóxicos e aumento de doenças na Argentina

Em junho último, o jornal argentino Página 12 publicou uma reportagem sobre a divulgação de um informe, elaborado por uma comissão criada pelo governo estadual do Chaco (no norte do país), analisando estatísticas de saúde em zonas de uso intensivo de agrotóxicos. Em uma década, triplicaram os casos de câncer em crianças e quadruplicaram os nascimentos de bebês com malformações.

Os dados contundentes confirmam as denúncias que vêm sendo realizadas há alguns anos pelos moradores das regiões de produção intensiva de soja e arroz. Este aumento assustador da ocorrência de doenças relacionadas aos agrotóxicos deu-se em apenas uma década, período em que aumentou consideravelmente o uso de agroquímicos na região.

O estudo, intitulado simplesmente “Primeiro Informe”, foi entregue ao Governo Estadual e ao escritório local do Ministério da Saúde. Os casos de câncer estão focalizados na localidade La Leoneza, epicentro das denúncias por uso de herbicidas e inseticidas. As malformações correspondem a dados de todo o estado, onde, sempre segundo dados oficiais, ocorrem 17 casos por mês.

La Leonesa é uma localidade de dez mil habitantes a 60 km da capital do estado, Resistencia. Há dez anos são denunciados os efeitos sanitários dos agrotóxicos usados nas plantações de arroz. Destacam-se o glifosato, o endossulfam, o metamidofós, o picloran e o clopirifos, entre outros químicos usados também nas lavouras de soja.

Devido à mobilização constante e à reivindicação por estudos, o governo do Chaco criou, por decreto, em dezembro de 2009, a Comissão Estadual de Pesquisa sobre Contaminantes da Água, incluindo a participação do Ministério da Saúde Pública, da Administração Estadual da Água, do Ministério da Saúde da Nação, da Universidade Nacional do Nordeste e do Ministério de Produção. O “Primeiro Informe” foi concluído cinco meses após a criação da Comissão.

Segundo o estudo, “A respeito de patologias oncológicas infantis, leucemias, tumores cerebrais e linfomas, observa-se um maior número de casos anuais a partir de 2002. Em La Leonesa, no período 2000-2009 se comprova um aumento notável, que triplica a ocorrência de câncer em crianças menores de dez anos”.

Na década de 1990-1999 foi registrada uma média de 0,2 casos por ano (1 a cada 60 meses). No período 2000-2009 foram contabilizados 0,6 casos por ano (1 caso a cada 20 meses).

A média mundial de câncer em menores de 15 anos é de 12-14 casos a cada 100 mil crianças. Os dados oficiais de Chaco mostram que em La Leonesa o registro salta para 20,2.

O informe observa a multicausalidade do câncer, mas chama a atenção: “Este aumento da casuística coincide com a expansão da fronteira agrícola (…), tornando vulnerável a saúde da população pelo fato de as práticas e técnicas de cultivo incluírem pulverizações aéreas com herbicidas como o glifosato e outros agrotóxicos”.

Todos os números são do Serviço de Estatísticas do Hospital Pediátrico local, mas o informe destaca que haveria cerca de 25% de outros casos atendidos diretamente no Hospital Garrahan, de Buenos Aires, sugerindo que o número total de casos seria ainda maior.

Laura Mazitelli é moradora de La Leonesa e tinha o costume de levar seu bebê para acenar aos aviões agrícolas que passavam perto de sua casa. Aos dois anos o bebê Iván foi diagnosticado com leucemia. Foi levado ao Hospital Garrahan e submetido a oito meses de quimioterapia, mais dois anos de tratamento intensivo. Laura tornou-se uma militante contra o uso de agroquímicos na região. Com o aumento do número de casos, seus vizinhos começaram a se organizar.

“Tatiana de 5 anos. Milagros de 8. María de 7. Francisco de 12. Victoria de 6. São todos vizinhos com câncer. E o pior é que a lista segue. Precisavam tantos casos para reconhecerem que estão nos envenenando?”, pergunta Laura.

Mas os casos de malformações congênitas em recém nascidos cresceram ainda mais. Em uma década se quadruplicaram em todo o Estado do Chaco. No período de um ano, entre 1997 e 1998, houve no Chaco 24.030 nascimentos, dos quais 46 com malformações. Uma década depois, nos doze meses entre 2008 e 2009 foram registrados menos nascimentos: 21.808, mas multiplicaram-se as malformações:186 casos. O informe oficial destaca que se passou de um índice de 19,1 para 85,3 casos a cada 10 mil nascidos.

Estes dados correspondem à Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de Neonatologia do Hospital Perrando, de Resistencia. De 1997 a 1998 houve uma média de 4,9 casos por mês. De 2001 a 2002 cresceu para 7,5 casos. E entre 2008 e 2009 aumentou para 16,8 casos mensais.

A pesquisa ressalta ainda que só estão incluídos dados do serviço de saúde pública. “Tanto em dados estatísticos de enfermidades oncológicas infantis como em malformações em recém nascidos não estão incluídos os registros de instituições de saúde privadas, nos quais as estatísticas são similares, aspecto que as aumentaria consideravelmente”.

Uma integrante da comissão que elaborou o estudo, que pediu manter o anonimato devido às “enormes pressões” de que estão sendo alvo, afirmou que “todos os profissionais que assinam o estudo têm muita experiência sobre o tema estudado, mas as empresas arrozeiras e sojeiras pressionam muito o governo. Não sabemos como isso terminará, há muitos interesses em jogo”.

Dois integrantes da Comissão confirmaram que estão elaborando um segundo informe, analisando estatísticas oficiais sobre o aumento geométrico, em zonas de uso intensivo de agrotóxicos, de casos de gravidez que não chegam a termo devido a abortos espontâneos, aumento de problemas reprodutivos em adultos e crescimento exponencial de câncer de mama. Não há data definida para a sua conclusão, mas os pesquisadores alertaram sobre a possibilidade de “intromissões no trabalho da Comissão”.

O “Primeiro Informe” da Comissão pesquisadora solicita que sejam tomadas “medidas preventivas” em La Lenoesa até que se realize um estudo de impacto ambiental e pedem que se ampliem as análises para as outras seis localidades que estariam sujeitas às mesmas condições (Gancedo, Napenay, Santa Sylvina, Tres Isletas, Avia Terai e Colonia Elisa).

 

Extraído de:

Página 12, 14/06/2010.

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Agrotóxicos ligados a suicídios de agricultores em MS

Folha de São Paulo (http://www.folha.uol.com.br/), 17/07/2010.

 

Agricultores de Fátima do Sul apresentam náuseas, depressão e cometem suicídio após usarem inseticidas. A tristeza aparente aponta que é dia de velório. O cheiro, que atravessa os cômodos, faz parentes e curiosos saírem para o quintal. O odor expõe o motivo daquela morte: Mauro de Souza Lucas cometeu suicídio com veneno da lavoura de algodão.

A cena, na zona rural do município de Fátima do Sul (MS), seria um caso isolado se o cheiro não fizesse parte de outros velórios ali.Lucas havia brigado com um irmão em uma festa de fim de ano e, de volta para casa, foi direto para o quarto dos agrotóxicos. Escolheu um dos mais fortes e bebeu.

“Um vizinho levou-o para o hospital, ele acabou de morrer lá”, diz Antônia de Souza Lucas, 64, “uns 14” filhos. “Era veneno brabo, não lembro o nome, mas era veneno de algodão, fedido.” O episódio ocorreu há quase dez anos, mas o cheiro do velório ainda não saiu do nariz de Antônia. Mauro tinha 26 anos quando morreu. Ela não sabe por que o filho se matou. “Era uma nervosia, muita raiva, ele pôs na cabeça e se matou logo.”

 

Falta de proteção

Fátima do Sul, cidade de 18 mil habitantes a 242 km de Campo Grande, foi criada em 1943 no governo Getúlio Vargas como polo agrícola. Predominam os sítios de três a dez hectares de imigrantes nordestinos. Ali, fala-se dos nomes de agrotóxicos com intimidade: Barrage, Folidol, Azodrin, Tamaron, 2,4D e 3,10.

A maioria desses produtos pertence à família dos inseticidas organofosforados, derivados do ácido fosfórico, e são usados para combater pragas em culturas diversas.

O contato com eles alterou o conceito de saúde dos agricultores. Quase todos se referem a dor de cabeça, náusea e coceiras, além do cheiro inconfundível. Fora os casos de intoxicação aguda em que os sintomas mais graves surgem logo após a exposição.

Muitos lavradores não têm, não usam ou não sabem usar corretamente os equipamentos de proteção, como máscaras e macacão, nem têm orientação sobre como armazená-lo ou se desinfetar após aplicar o veneno.

 

Depressão

Assim como as náuseas, sintomas de depressão tomam conta das conversas nos sítios. Antônia lembra que o filho começou a ficar “esquisito” antes de morrer.

Para Dario Xavier Pires, químico e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) que há uma década estuda os casos de suicídio no município, os sintomas são evidentes no contato com produtores e nas conversas informais com profissionais da saúde locais.

A psiquiatra paulista Jussinalva Aguiar explica que “normalmente os casos de suicídio estão ligados a quadros depressivos” que passam despercebidos na rotina do trabalhador rural. Segundo Jussinalva, o tipo de agrotóxico usado no algodão inibe a enzima acetil-colinesterase, causando acúmulo do neurotransmissor acetilcolina e a consequente superestimulação das terminações nervosas. “A intoxicação por agrotóxico causa variações qualitativas e quantitativas nas sinapses, que agem na alteração do humor. Pode causar tanto sintomas depressivos como manias e agitação.”

Em 2004 e 2005, um grupo de pesquisadores da UFMS -entre eles Pires- fez um levantamento sobre os estados depressivos e os níveis da enzima colinesterase em 261 agricultores expostos a organofosforados no município. Deles, 149 (57,1%) relataram algum sintoma após o uso de agrotóxicos, e 30 apresentar

am distúrbios psiquiátricos menores (DPM). Três tentaram o suicídio.

 

Ranking

Em números absolutos, Mato Grosso do Sul ocupava, em 2002 (último ano disponível), o quarto lugar em suicídios de homens e o segundo de mulheres no Brasil. (…)

O segundo lugar é de Fátima do Sul. Depois de Mauro, outros dois filhos de Antônia, Jonas e Luiz, também se mataram em um ano. Uma terceira, Cecília, tentou. Levantamento da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) para a consultoria alemã Kleffman Group aponta o Brasil como o país que mais consome agrotóxicos.

Em 2008, foram gastos U$ 7,1 bilhões, ante US$ 6,6 bilhões dos EUA, em segundo.

O Serviço de Informações Tóxico-Farmacológicas do Ministério da Saúde registrou, em 2007, 112,4 mil casos de intoxicação. Estima-se que haja subnotificação.

O Ministério da Saúde não tem estudos nem política preventiva de suicídio na zona rural -há divergência entre os pesquisadores sobre a correlação direta entre depressão e agrotóxicos. “Os estudos feitos nessas populações não são determinantes e ainda não conseguiram comprovar a relação”, diz Ângelo Zanaga Trapé, médico toxicologista e professor da Unicamp. (…)

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Paraná monitora agrotóxicos

Folha de Londrina (http://www.bonde.com.br/folhadelondrina ), 21/07/2010.

 

Já está em vigor o Sistema de Monitoramento do Comércio e Uso de Agrotóxicos do Paraná (Siagro), que verifica eletronicamente o comércio e venda de defensivos agrícolas em todo o Estado. Pelo sistema, todas as informações das receitas para compra de agrotóxicos emitidas para os produtores são enviadas on-line para a Secretaria Estadual da Agricultura e do Abastecimento (Seab).

A medida, de acordo com o coordenador da Divisão de Fiscalização e de Insumos da Seab, Adriano Riesemberg, quer incentivar a prática de uma agricultura com uso racional de produtos químicos. Com as informações do novo banco de dados, a Seab poderá identificar locais onde a administração dos defensivos químicos possam ocorrer de forma inadequada.

Segundo o fiscal da Seab, são emitidos anualmente cerca de 3 milhões de receitas. No ano passado, calcula-se que 80 mil toneladas de produtos químicos foram despejados nas lavouras paranaenses. “Não há justificativa agronômica para esta quantidade. Os produtores têm deixado de lado boas práticas agrícolas e optado pela compra de agrotóxicos”, afirma Riesemberg, referindo-se a tecnologias como a rotação de culturas, uso do solo conforme a capacidade e o manejo integrado de pragas.

O novo banco de dados, na avaliação de Riesemberg, permitirá o controle mais ágil e eficiente, possibilitando um gerenciamento eletrônico do que está sendo usado em campo. Desde segunda-feira, quando o sistema entrou em vigor, até ontem a Seab já registrou 6.800 arquivos de receitas enviadas pelo sistema.

O Siagro prevê o envio eletrônico de informações das receitas emitidas no Estado, deixando disponíveis essas dados no Departamento de Fiscalização e da Defesa Agropecuária (Defis), responsável pelo monitoramento do comércio. Toda semana os comerciantes de agrotóxicos são obrigados a enviar as informações referentes às quantidades comercializadas na semana anterior.

Um dos campos de preenchimento mais visados, diz Reisemberg, será o local da aplicação do agrotóxico para verificar se não há mananciais nos perímetros ou áreas de preservação ambiental.

Atualmente no Estado existem cerca de 400 mil propriedades rurais e aproximadamente 2 mil pontos de comércio de agrotóxicos, incluindo as cooperativas. As regiões norte e oeste concentram as maiores áreas de produção agrícola. (…)

N.E.: O Siagro tem como base de seu funcionamento o Decreto Nº 6107 – 19/01/2010.

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Agrotóxicos no Ceará estão isentos de impostos

Diário do Nordeste (Fortaleza, Ceará) (http://diariodonordeste.globo.com/capa.asp?Email=), 20/07/2010.

Desoneração tributária de insumos agrícolas como fator de ampliação de investimentos, repercutindo na geração de emprego e renda, mas, trocando em miúdos, uma terrível sequela: isentos de uma série de tributos, o Estado e o País assistem à crescente entrada de venenos contra pragas na lavoura, e essa facilidade estaria relacionada ao uso abusivo de agrotóxicos no Ceará. Levantamento feito pela Rede Nacional de Advogados Populares (Renap) revela a série de isenções de impostos para a comercialização de agrotóxico no Estado. O Brasil é campeão mundial em consumo de agrotóxicos, e aqui se aceita até o que – por questão de saúde – é rejeitado em outros países em desenvolvimento e nos desenvolvidos.

A medida [isenção de ICMS, IPI, PIS/Pasep e Cofins] vale, até mesmo, para os produtos em reavaliação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que já foram rechaçados em vários outros países produtores. Os agrotóxicos ficaram isentos de cobrança de ICMS no Ceará desde um decreto do Governo do Estado, em 1997.

No dispositivo se declarou a isenção dos seguintes tipos de defensivos: inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes adesivos, estimuladores e inibidores de crescimento (reguladores), vacinas, soros e, ainda, medicamentos produzidos para uso na agricultura e na pecuária, “vedado o benefício quando dada ao produto destinação diversa”.

Esse tipo de desoneração também é constatada na esfera federal. As isenções seguiram uma escala crescente, como tem sido o aumento da compra de agrotóxicos no Brasil, que em dois anos subiu do terceiro para o primeiro lugar mundial em consumo.

“Às isenções tributárias concedidas aos agrotóxicos somam-se ainda às carências estruturais e instituc
ionais, provocando a externalização dos custos sociais, ambientais e sanitários que, não sendo embutidos no preço do produto, acabam por ser coletivamente absorvidos pela sociedade e pelos sistemas públicos previdenciários e de saúde”, explica Maiana Maia, da Renap, que acrescenta: “as isenções tributárias diminuem os custos equivalentes à utilização de agrotóxicos pelas empresas, ao que, pelo outro lado, os agrotóxicos barateados vão nos custando a vida e o meio ambiente equilibrado, numa relação claramente desigual”.

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