Escrito por Fausto Azevedo | 24 Abril 2010
Relativizar é um dos fenômenos interessantes da natureza e também da mente humana. E isso se aplica inteiramente à substância química denominada ozônio. Para a humanidade, a presença de tal agente tanto pode ser muito benéfica quanto muito preocupante. É necessária e essencial à manutenção da vida no planeta Terra uma concentração apropriada desse gás na estratosfera (faixa da atmosfera de 16 a 30 km de altitude). Assim, nessa ozonosfera, a molécula de O3 nos beneficia – e de resto a todo o planeta –, porque participa de um ciclo que absorve a radiação ultravioleta da energia solar de 220-320 nm. Sem esse filtro, sem tal escudo protetor, a vida como conhecemos teria sido – e é! – impossível. Tanto assim que, de uma maneira ou de outra, a humanidade se reuniu num esforço para proteger e salvar a camada de ozônio: o Protocolo de Montreal. No ciclo químico ozônio-oxigênio (interconversibilidade entre as duas formas), a radiação solar se transforma em energia térmica, e o que nos chega é tido como a boa radiação. A equação química representativa desse ciclo é O3 ⇌ O2 + [O], sendo que na reação de decomposição, o ozônio absorve grande quantidade de radiação ultravioleta e se divide, e, no sentido inverso, na reação de sua formação, há pequeno desprendimento de energia térmica.
Todavia, o mesmo ozônio quando na troposfera (a camada que vai da superfície terrestre até a estratosfera) é encarado pela Toxicologia como um poluente, se ocorrer acima de determinadas concentrações e de certo tempo de residência. Nessa camada, o ozônio é formado a partir da reação com oxigênio atômico, este liberado nas reações fotoquimicas (luz do sol) de gases gerados por atividades humanas. Segundo levantamento da CETESB os veículos são responsáveis por 97% das emissões atmosféricas de Hidrocarbonetos e 96% de NOX, os principais vilões da formação do ozônio.
O ozônio, esse mistério de duas realidades, é uma variedade alotrópica do oxigênio (O), formada por três átomos deste elemento. Na temperatura ambiente mostra-se na forma de gás instável, oxidativo, mais denso que o oxigênio, diamagnético, e de odor doce e picante (de “casca de melão”). Liquefaz-se a -112°C, seu ponto de congelamento é de -251,4°C e decompõe-se acima de 100°C. Apresenta cor azul-pálida, que se torna azul-escura quando passa ao estado líquido. Ele está presente em pequenas concentrações naturalmente na estratosfera (parte de atmosfera que abrange aproximadamente dos 15 até 50 quilômetros de altura). A produção não-catalítica natural de ozônio ocorre com a colisão de uma molécula de O2 com um átomo de oxigênio; sua destruição não-catalítica dá-se principalmente pela absorção da radiação ultravioleta solar. A destruição catalítica ocorre devido à existência de átomos e moléculas, os catalisadores, que interagem com o ozônio extraindo um átomo de oxigênio de sua estrutura molecular. O ozônio tem muitas aplicações na vida prática e em processos industriais, quase todas elas associadas a seu alto poder de oxidação: é empregado como germicida, como removedor de odor e sabor indesejávies, como branqueador, na síntese de compostos orgânicos, etc.
Hoje, 24 de abril, a manchete de primeira página da Folha de São Paulo alerta seus leitores: “Poluição por ozônio volta a aumentar em São Paulo”. Diz a matéria que se encontrava disponível para acesso no endereço http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u725369.shtml: “A qualidade do ar em regiões da Grande São Paulo piorou no primeiro trimestre por causa do ozônio, informa Eduardo Geraque. A poluição por ozônio, gerado na queima de combustível, vinha caindo desde 2006 (…) Pela medição da Cetesb (agência ambiental paulista), a qualidade do ar só foi boa em 17 dias. Nos outros 73, oscilou entre má, inadequada e regular –o que, segundo analistas, coloca em risco a saúde da população. Os mais afetados são os idosos, crianças e portadores de doenças crônicas cardíacas e respiratórias. Para especialistas, um dos motivos do aumento da poluição por ozônio é o crescimento da frota automotiva.”
Em caso de exposição aguda (altas concentrações por baixos períodos de exposição), os sinais e sintomas relatados são: secura das mucosas, especialmente do nariz e da garganta; dor de cabeça; irritação dos olhos; náuseas e vômitos; dificuldade respiratória. Na exposição crônica (concentrações menores por períodos prolongados) é possível sobrevir o edema pulmonar, o qual, todavia, pode regredir em um mês. A literatura especializada não tem registrado mortes vinculadas à exposição ao ozônio. Estima-se que exposições a 50 ppm, por 60 minutos, podem ser fatais para seres humanos. Nosso nível de detecção olfativa está entre 0,03 e 0,07 ppm, dependendo da sensibilidade individual e do estado de saúde, abaixo das concentrações que têm sido propostas como limites para ambientes de trabalho.
Um importante Guia publicado pela Organização Mundial da Saúde nos dá conta dos riscos à saúde pública decorrentes dos aumentos nas concentrações de ozônio na baixa atmosfera. Trata-se do WHO Air quality guidelines for particulate matter, ozone, nitrogen dioxide and sulfur dioxide – Global update 2005 – Summary of risk assessment . Na página 16 desse documento encontra-se o seguinte quadro:
http://www.who.int/phe/health_topics/outdoorair_aqg/en/, acessado em 24/04/2010):
“Cuadro 3.
Guía de calidad del aire de la OMS y objetivo intermedio para el ozono: concentraciones de ocho horas
Media máxima diaria de ocho horas (μg/m3) | Fundamento del nivel elegido | |
Niveles | 240 | &n bsp; Efectos significativos en la salud; proporción sustancial de la población vulnerable afectada. |
Objetivo | 160 | Efectos importantes en la salud; no proporciona una protección adecuada de La salud pública. La exposición a este nivel está asociada con: |
Guía de | 100 | Proporciona una protección adecuada de la salud pública, aunque pueden producirse algunos efectos en la salud por debajo de este nivel. La exposición a este nivel de ozono está asociada con: |
a Muertes atribuibles al ozono. Los estudios de series cronológicas indican un aumento de la mortalidad diaria del orden Del 0,3-0,5% por cada incremento de 10 μg/m3 en las concentraciones de ozono durante ocho horas por encima de un nivel de referencia estimado de 70 μg/m3.”
Tal quadro é uma excelente demonstração daquilo que em toxicologia chamamos de relação dose-resposta, que elucida a respeito dos graus crescentes de exposição de uma determinada população a um dado toxicante e o agravamento do(s) efeito(s) nocivo(s) postos sob observação, e possibilita a adoção de padrões, guias ou limites de exposição. Portanto, de acordo com o conhecimento basilar gerado pela Toxicologia, quando aplicado ao tema em foco, e conforme os especialistas reunidos pela OMS, 100 μg/m3 de ozônio na atmosfera parece ser a concentração guia adequada para proteção da saúde pública.
Enfim, o que nem todos sabem é que quando um prestigioso jornal como a Folha de São Paulo destaca em manchete de primeira página uma advertência da natureza dessa da data de hoje, ou quando um órgão técnico sério e competente como a Cetesb divulga concentrações medidas de um poluente atmosférico e adota, a partir daí, medidas administrativas objetivando, por exemplo, reduzir aquelas concentrações na atmosfera da cidade, a retaguarda comum que ampara a todos é a ciência da Toxicologia, sempre tão presente nos atos e fatos humanos, ainda que imperceptível à maioria dos olhos.
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