ASSUNTOS REGULATÓRIOS: Clinicas oferecem tratamentos médicos de ozonioterapia, não aprovados pela Anvisa.

2 anos atrás

Ozonioterapia é uma técnica terapêutica complementar e integrativa, que utiliza a aplicação de uma mistura dos gases oxigênio e ozônio, ou seja, o ozônio medicinal; usada no tratamento de um amplo número de problemas de saúde e disfunções estéticas. O ozônio é uma molécula triatômica, composta por três átomos de oxigênio, utilizado como agente terapêutico na ozonioterapia na forma de um gás incolor, obtido a partir do oxigênio, por meio de equipamentos específicos para este fim. O ozônio em baixas concentrações desempenha funções importantes dentro da célula, com propriedades anti-inflamatórias, antimicrobianas, de modulação do estresse oxidativo, da melhora da circulação periférica e da oxigenação e ativação do sistema imunológico.

Atualmente, a ozonioterapia é feita principalmente por meio de geradores de ozônio, máquinas relativamente pequenas — em alguns casos portáteis — vendidas a preços na faixa de R$ 2 mil a R$ 10 mil. Nelas, são ligadas seringas e sondas que transportam uma mistura gasosa contendo o ozônio. Tais máquinas são categorizadas como dispositivos médicos de acordo com as normas vigentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Para a comercialização e uso de qualquer dispositivo médico nos serviços de saúde do Brasil, deve ser obtido o Registro/autorização da Anvisa. No âmbito da ozonioterapia, são regularizadas e registradas na Anvisa máquinas para uso estético (em limpeza de pele e assepsia) e odontológico, como no tratamento de cáries.  Ou seja, o uso desse procedimento, que prevê a liberação de gás ozônio no organismo, não é autorizado para tratamentos médicos e prevenção de doenças. Portanto, utilizar equipamentos de ozonioterapia fora das finalidades previstas e autorizadas contraria a legislação sanitária.

A fiscalização do uso de equipamentos médicos é feita pelas agências de vigilância sanitária. Tendo em vista o disposto acima, clínicas e profissionais que utilizem equipamento para ozônio fora das finalidades aprovadas pelo órgão (estética e odontologia) “estarão cometendo irregularidades”. Incorrem em ofensa à Lei 6.437, de 20 de agosto de 1977, que configura infrações à Legislação Sanitária e estabelece sanções. A lei prevê as seguintes penalidades: advertência; multa; apreensão de produto; inutilização de produto; interdição de produto; suspensão de vendas e/ou fabricação de produto; cancelamento de registro de produto; interdição parcial ou total do estabelecimento; proibição de propaganda; cancelamento de autorização para funcionamento de empresa; cancelamento do alvará de licenciamento de estabelecimento; proibição de propaganda; cancelamento de autorização para funcionamento da empresa; cancelamento do alvará de licenciamento de estabelecimento e intervenção no estabelecimento que receba recursos públicos de qualquer esfera; imposição de mensagem retificadora; e suspensão de propaganda e publicidade.

Para obtenção do registro/autorização de dispositivos médicos, deverá ser apresentado à Anvisa um dossiê técnico para comprovar a segurança (por meio de resultados satisfatórios em testes mecânicos, elétricos, biocompatibilidade e demais aplicáveis à cada tipo de tecnologia) e comprovar a sua eficácia por meio de resultados satisfatórios em pesquisas clínicas nacionais ou internacionais, conforme disposições da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 10, de 03 de março de 2015, que dispõe sobre o regulamento para a realização de ensaios clínicos com dispositivos médicos.

Ultimamente, propagandas com promessas milagrosas proliferam pelas redes sociais (como Instagram e canais do YouTube) e páginas na internet de clínicas brasileiras. Segundo as propagandas destas clínicas, aplicações do gás ozônio através do ânus, da vagina e por via intravenosa ajudariam na cura do câncer, no combate a infecções virais, endometriose, hérnia, doenças circulatórias e depressão (benefícios não comprovados cientificamente).

Em nota via e-mail, a Anvisa informou que: “Não existem equipamentos para ozonioterapia com finalidade terapêutica ou preventiva médica regularizados junto à Anvisa, visto que nenhum dos processos protocolados na Anvisa conseguiram comprovar a eficácia POR MEIO de pesquisas clínicas específicas para cada indicação de uso”. Ainda, de acordo com a agência, pedidos de registro de máquinas de ozonioterapia para outras finalidades além de estético e odontológico não conseguiram apresentar até agora evidências científicas de segurança e eficácia.

Além disso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) também não autoriza a ozonioterapia como tratamento médico. A resolução 2.181/2018 do CFM estabelece que o procedimento só pode ser feito em pesquisas científicas registradas e que sigam os critérios da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP): “deverá ocorrer na concordância dos participantes com as condições em que a pesquisa será realizada, a garantia de sigilo e anonimato para os que se submeterem à prática, a oferta de suporte médico-hospitalar em caso de efeitos adversos e a não cobrança do tratamento em qualquer uma de suas etapas. Médicos que atuarem com ozonioterapia em violação à resolução do órgão podem sofrer denúncias e responder a processo administrativo nos conselhos regionais de medicina. A punição pode ir de advertência à cassação do registro”. Por outro lado, a prática da ozonioterapia é regulamentada pelos Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), Conselho Federal de Odontologia (CFO) e Conselho Federal de Farmácia (CFF) para os profissionais das respectivas áreas. No entanto, apesar da autorização para prática do procedimento, os profissionais estão sujeitos ao cumprimento das normas da Anvisa.

Na investigação da BBC News Brasil, em alguns casos, para vender o produto, os profissionais das clínicas de ozonioterapia chegaram a prometer “cura” de doenças com o tratamento, embora o consenso científico aponte que não há comprovação disso.

Por exemplo, uma clínica de Brasília informou que cerca de 14 a 20 aplicações de ozônio no ânus, por meio de uma sonda, a um custo de R$180,00 cada, podem resolver em “100% o problema da endometriose”. A paciente A.T. (35 anos), residente no Espírito Santo, relatou endometriose grave e dificuldades para engravidar. Por R$1.280,00, realizou 16 sessões de ozonioterapia durante dois meses (equivalente a oito sessões por mês). No relato divulgado pelo canal de notícias, a paciente informa ter tido conhecimento sobre o tratamento por meio da rede social Facebook, e realizou a aplicação de ozônio via retal com o auxílio de uma sonda. Os sintomas, como dores, melhoraram, mas o problema persistiu e ela teve que passar por uma cirurgia para remover tecidos do endométrio que haviam invadido até mesmo o seu intestino, em decorrência da evolução natural da doença.

A médica Natália Zavattiero (especialista em reprodução assistida) informou ao canal de notícias que um risco de tratamentos alternativos, sem eficácia comprovada, é retardar o início de tratamentos convencionais, o que pode acabar agravando o problema de saúde ou reduzir a chance de uma mulher engravidar. A médica relata que “A ozonioterapia sequer está incluída entre os procedimentos com baixo nível de evidência no tratamento de fertilidade, ou seja, não está entre aqueles que, pelas pesquisas já feitas, demonstram algum potencial de eficácia”, afirma ginecologista.

Outros relatos podem ser acessados diretamente na reportagem publicada em 19/10/2021: “Ozonioterapia: clínicas oferecem procedimento proibido para ‘tratar’ de câncer a infertilidade”.

Atualmente, há um projeto de lei do Senado para permitir ozonioterapia como tratamento médico, permitindo a possibilidade de autorizar a prescrição de ozonioterapia como tratamento médico de caráter complementar. Este, segue em tramitação e, em setembro (2021), foi aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Em 2017, o CFM, associações e sociedades médicas publicaram uma nota de repúdio, totalizando 29 entidades signatárias, contra o projeto afirmando que o tratamento  médico de ozonioterapia “expõe os pacientes a riscos, como retardo do início de tratamentos eficazes, avanço de doenças e comprometimento da saúde”.

REFERÊNCIAS

https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/19/ozonioterapia-clinicas-oferecem-procedimento-proibido-para-tratar-de-cancer-a-infertilidade.ghtml
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-685-de-30-de-janeiro-de-2020-255613547
http://www.cvs.saude.sp.gov.br/zip/RES%20RDC%2010.15.pdf

Giulia Forni de Almeida
Assuntos Regulatórios

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