O direito à vida é uma premissa inalienável dos seres vivos (reforçando a visão da ecologia profunda), mas também, e sobretudo, prerrogativa maior dos humanos. Quando se diz direito à vida está-se referindo a algo muito maior do que as operações mecânicas e fisiológicas da manutenção da vida física,
como comer, beber, etc. Direito à vida é o direito de existir, estrito senso, e o direito de existir gozando de qualidade de vida. Gozando de dignidade, de poder de decisão e escolha, de livre trânsito. Nenhum de nós aceita abrir mão dessas possibilidades e é justo que assim sejamos e ajamos. Mas para que cada um possa tomar suas decisões de vida, julgando por si aquilo que considera bom ou não para seu caminho, é obrigatório que a pessoa tenha o mais amplo e confiável acesso possível à informação que diga respeito a uma específica questão que esteja em seu interesse.
Ora, a Toxicologia nos ensinou desde sempre, e muito bem, que todo produto químico (substância definida, mistura de substâncias, resíduos) tem potencial tóxico, isto é, apresenta uma capacidade de causar danos inerente a ele e que está só aguardando pelas condições objetivas reais e apropriadas para se manifestar. Se assim é, se todo agente químico pode expressar sua toxicidade a depender do como se apresente em seu relacionamento com o ser humano, então as pessoas que entrem em contato com ele precisam/merecem estar devidamente informados a respeito da toxicidade daquele agente químico e das conotações de risco e perigo daquela forma de emprego ou utilização. Como passar uma tal informação, de maneira didática e inteligível, sempre atualizada e referenciada, é que se torna então a questão. Estamos falando aqui de como fornecer as informações de toxicidade, riscos, perigos e segurança a respeito de um produto químico específico para um público também específico e num ambiente igualmente específico. A comunicação do risco é um dever de governos e de sociedades e é uma arte. Um dever do ponto de vista moral e uma arte no aspecto da garantia da compreensão do significado a ser comunicado, tratando de semântica e de semiologia. Há os especialistas para tudo e há o grande público receptor, motivo e causa de toda essa ação e seus estratagemas.
Organismos transnacionais, como por exemplo a United Nations Economic Commission for Europe (UNECE), dão-nos sólidas demonstrações de atitude pró-ativa nesse sentido, qual seja, o de criar as bases para a competente comunicação de possibilidades de riscos. A Convenção de Aarhus, sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente,foi preconizada em 25 de junho de 1998, na cidade dinamarquesa de Aarhus, durante a 4ª Conferência Ministerial “Ambiente para a Europa”. Entrou em vigor em 30 de outubro de 2001, concluído o processo de ratificação por 16 países membros da UNECE e pela União Europeia, conforme previsto no artigo 20.
Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Convenção 170, que no Brasil foi ratificada pelo Decreto 2657, de 3 de julho de 1998, assevera que o acesso à informação sobre produtos químicos utilizados no trabalho é uma necessidade e direito dos trabalhadores, trata da segurança na utilização de produtos químicos no trabalho e estabelece o emprego de fichas com dados de segurança, cujos critérios para a sua elaboração deverão estar em conformidade com as normas nacionais e internacionais. Em seu artigo 8º., o Decreto trata de Fichas com dados de segurança nos seguintes termos:
“Os empregadores que utilizem produtos químicos perigosos, deverão receber fichas com dados de segurança que contenham informações essenciais detalhadas sobre a sua identificação, seu fornecedor, a sua classificação, a sua periculosidade, as medidas de precaução e os procedimentos de emergência”.
A Organização das Nações Unidas (ONU), pelo seu Conselho Econômico Social, aprovou, em dezembro de 2002, o Purple Book (Livro Púrpura), documento referência do Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (Global Harmmonized System, GHS), que trata da Classificação e Comunicação de Perigos (Rótulos e Fichas com Dados de Segurança) de Produtos Químicos, e o Brasil está em fase de implementação do GHS.
No campo brasileiro, quanto ao que estamos debatendo, a Constituição da República estabelece:
- em seu artigo 225, caput, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, entendido esse como o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, e
- em seu artigo 7º, XXII, que constitui direito social do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança,
A Lei 6.514, de 22 de dezembro de 1977, que altera o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, relativo à Segurança e Medicina do Trabalho, aprovou, por meio da Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, as Normas Regulamentadoras (NR), entre elas a NR 26, referente à sinalização de segurança, cujo subitem 26.6 estabelece os critérios técnicos para a rotulagem preventiva dos produtos perigosos e nocivos à saúde.
A Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor, estabelece, em seu Capítulo IV – Da Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e da Reparação dos Danos, nos artigos 8º, parágrafo único, e 9º, regras a serem obedecidas por fabricantes e fornecedores, no tocante às informações dos produtos fabricados e /ou fornecidos. Já adiante, o artigo 39 da mesma Lei, frisa que é vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras praticas abusivas:
“ VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se as normas expedidas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro)”.
A norma ABNT-NBR 14725 apresenta informações para a adequada elaboração de Fichas de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ).
A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1988, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências, em seu artigo 56, esclarece sobre as sanções penais e administrativas para aquele que produzir, processar, embalar, importar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produtos ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com a exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.
Além disso, os setores mais avançados – ou mais comprometidos – da sociedade vivem hoje sob a nova e vigorosa ideologia da Sustentabilidade. O conceito de Desenvolvimento Sustentável preconizado pelo Relatório Brundtland (Our Commun Futere) de 1987, que o define como “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”, passou a ser aprimorado para trazer à sociedade discussões sobre como agir a fim de se atingir ou manter essas condições.
Atualmente, aborda-se muito a Sustentabilidade por meio das três dimensões sugeridas pelo modelo Triple Bottom Line de John Elkington (1994): a econômica, a social e a ambiental. Há muitos modelos propostos e em testes e debates para se planejar/executar a sustentabilidade ambiental. As discussões sobre o tema, que extrapola discussões sobre meio ambiente, buscam fornecer a todos os setores da sociedade diretriz que garantam seu alinhamento rumo à Sustentabilidade.
Um destes modelos é o desenvolvido pela The Natural Step uma organização presente em diversos países que propõe entender o conceito através do entendimento das quatro condições sistêmicas ideais para uma sociedade no rumo da Sustentabilidade: (i) a natureza não pode estar sujeita a exposição de concentrações excessivas e sistematicamente crescentes de substâncias extraídas da crosta terrestre; (ii) ou de substâncias produzidas pelo homem; (iii) a natureza não pode sofrer degradação dos meios físicos de forma sistematicamente crescente e que estes não consigam se recompor; (iv) as sociedades devem se preocupar em satisfazer suas necessidades considerando as reais de todos, e não os desejos, usando o mínimo de recursos necessários.
Como se vê, há pelo menos três sólidos e nobres motivos para que empresas e governos queiram, de fato, implantar em suas atividades produtivas o uso de documentação específica de segurança química e toxicológica que forneça informações sobre seus perigos e riscos (além da já apontada FISPQ, pode-se citar Ficha de Emergência, Rótulos, Ficha de Dados Segurança de Resíduos): (i) a sustentabilidade econômica das empresas determina, dentre outros aspectos, que elas se empenhem pela obtenção e manutenção de certificações, como as ISO 9001 e 14001, a OSHA 18001, e sem o devido registro e comunicação dos riscos químico-toxicológicos e seu manejo isto não pode ser garantido; (ii) toda a vasta legislação acima indicada, começando em acordos internacionais globais e de blocos econômicos e vindo até o plano de cada país, faz o mesmo, ou seja, disciplina e impõe tal forma de obrigação, controle e prestação de contas; e, finalmente (iii) as normas de condutas esperadas para um homem verdadeiramente civilizado, uma empresa saudavelmente correta e uma sociedade humana definitivamente justa, implicam universalmente na adoção de tal documentação de segurança, de certa forma simultaneamente tão singela, quase prosaica em sua elaboração, mas de alcance tão extraordinário.
Referências:
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2011.
Constituição da República. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2011.
Convenção 170. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2011.
Convenção de Aarhus. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2011.
CONMETRO – Conselho Nacional Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2011.
Decreto 2657. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2011.
FISPQ – Fichas de Informação de Segurança de Produtos Químicos. Disponível em: < https://intertox.com.br/index.php/br/component/content/article/82-toxicologia/156-fispq-ficha-de-informacoes-de-seguranca-de-produtos-quimicos>. Acesso em: 21 mar. 2011.
Lei 6.514. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2011.
Lei 8.078. Disponível em:
Lei 9.605 Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2011.
NBR 14725 Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2011.
NR 26 – Sinalização de Segurança (126-000-6). Disponível em: >. Acesso em: 21 mar. 2011.
OIT – Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2011.
ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2011.
Portaria 3.214. Disponível em: < http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/63/mte/1978/3214.htm>. Acesso em: 21 mar. 2011.
Purple Book. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2011.
UNECE – United Nations Economic Commission for Europe. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2011